Em conjunto com USP, cientistas criam primeira vaca produtora de insulina humana


Um bovino comum do sul do Brasil entrou para a história como a primeira vaca transgênica capaz de produzir insulina humana em seu leite. Liderada por pesquisadores da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos EUA, e da Universidade de São Paulo (USP), essa conquista pode inaugurar uma nova era na produção de insulina, eliminando a escassez do medicamento e reduzindo significativamente seus altos custos.

A Organização Mundial da Saúde estima que entre 150 e 200 milhões de pessoas no mundo necessitam de insulina para sobreviver, mas apenas metade delas recebe o tratamento adequado. O custo elevado e a indisponibilidade do medicamento são os principais obstáculos ao acesso à insulina em muitos países de baixa e média renda. O estudo intitulado “Human proinsulin production in the milk of transgenic cattle“, publicado no Biotechnology Journal, revela que apenas cem vacas seriam suficientes para produzir toda a insulina necessária para os diabéticos nos Estados Unidos.

A criação desse bovino transgênico envolveu a inserção de genes humanos responsáveis pela produção de insulina no DNA do animal. Um pseudo-lentivírus contendo o promotor da β-caseína bovina e sequências de insulina humana foi utilizado para modificar fibroblastos adultos, os quais foram posteriormente usados para transferência nuclear. Os embriões transgênicos resultantes foram transferidos para vacas receptoras, culminando em uma gestação bem-sucedida. A presença da proteína recombinante no leite foi detectada, analisada e quantificada através das técnicas de western blotting e espectrometria de massa. Uma vaca transgênica foi gerada e a análise do seu leite revelou duas bandas distintas no western blotting, correspondentes à pró-insulina e à insulina. Após a espectrometria de massa confirmou-se a presença predominante de insulina humana em relação à pró-insulina no leite, além de identificar proteases que poderiam converter pro-insulina em insulina, bem como uma enzima degradadora de insulina que poderia degradar a proteína recombinante.

Figura 1: Análise do transgene. (A) Foto do bezerro transgênico. (B) Análise por PCR do transgene: 1- DNA ladder, 2- Bezerro transgênico, 3- Vaca não transgênica, 4- Vetor lentiviral construído. (C) Fibroblastos bovinos não modificados após 5 dias de incubação com 8μg mL-1 de blasticidina. (D) Fibroblastos do bezerro transgênico após 8 dias de incubação com 8 μg mL-1 de blasticidina.

Fonte: MONZANI, et al. (2024).

Este método representa uma alternativa promissora aos métodos tradicionais de produção de insulina, que dependem da engenharia de bactérias e leveduras geneticamente modificadas. Além de aumentar a oferta do medicamento, a utilização de vacas geneticamente modificadas pode reduzir os custos de produção, tornando o tratamento mais acessível para milhões de pessoas com diabetes em todo o mundo. A pesquisa também abre caminho para futuros avanços na biotecnologia agrícola, com o potencial de produzir outros fármacos e substâncias terapêuticas em larga escala e de forma mais sustentável.

A aprovação regulatória e a aceitação pública serão cruciais para a implementação dessa tecnologia, mas os pesquisadores estão otimistas de que, com os devidos testes e garantias de segurança, esta inovação poderá transformar a maneira como a insulina e outros medicamentos essenciais são produzidos e distribuídos globalmente.

Referência Bibliográfica

Monzani, P. S., Sangalli, J. R., Sampaio, R. V., Guemra, S., Zanin, R., Adona, P. R., Berlingieri, M. A., Cunha-Filho, L. F. C., Mora- Ocampo, I. Y., Pirovani, C. P., Meirelles, F. V., Wheeler, M. B., & Ohashi, O. M. (2024). Human proinsulin production in the milk of transgenic cattle. Biotechnology Journal, 19, e2300307. https://doi.org/10.1002/biot.202300307.


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